terça-feira, 3 de junho de 2008

Obviedades

O óbvio nunca me incomodou. Muito menos instigou. Sempre está ali ou mesmo aqui, saltando aos olhos com suas disposições de coisas e realidades. Exposto, acessível e módico. Nunca me trouxera problemas por ter natureza desvelada, aparente, sendo assim inquestionável. Acontece que certa noite ele me causou estranho desconforto. Com uma haste fina de metal imaginário, rebentando do não concretizado, aguçava-me a órbita, empurrando-me levemente de um lado ao outro sem tirar-me do eixo. Uma sensação estranha, uma reunião íntima e copiosa de vários manifestos surgindo da haste e me esfarelando a carne. Mas o óbvio não precisa de explicações! Senti-me estúpida e transparente. O mundo atravessava por mim sem notar que também sou feita de matéria. Sem notar que há muitas vidas e dispositivos latentes a cada inspiração de ar que entra nos meus pulmões. Como poderia o óbvio explicar-se a mim? Ora, ora...O evidente a dizer-me a que veio, a mostrar-se como circular como se eu nunca o tivesse notado. Perguntei-me silenciosamente durante a exposição: “ Porque tanta redundância? Porque o excesso daquilo que se basta, que tem suficiência própria?”. Talvez ele que sempre estivera ali ou mesmo aqui e por ser o próprio sentira a necessidade de ser o “dito”. Mas logo para mim? Logo para quem analisa cada espaçamento existente entre tudo que possui ou não consciência? Nessa noite, realmente, o óbvio me trouxe desconforto. Mestruei o enjôo daquela situação e pude percebê-lo escorrer lentamente pelas minhas pernas a querer tragar-me para dentro da névoa volúvel do lugar. Creio que o exposto percebeu a mim tão habitual quanto ele. Doce engano. Fiquei amarga e senti vontade de sair correndo, tropeçando pelos degraus e pude me ver jogando aquela cerveja quente nos olhos de todas aquelas pessoas previsíveis, com suas medíocres vidas prescritas, com suas expectativas prováveis e seus prazeres de pouco esforço. Elegantemente dei o último gole, olhei fundo no aspecto daquela desnecessidade, daquilo que se percebe por intuição genética e agradeci toda a explanação como boa dama que sou. Virei às costas e pensei: “ Pau no cu do óbvio”.