domingo, 1 de junho de 2008

Humor

Havia dois dias que ela não aparecia em sua casa, embora sentisse que o mundo fosse seu verdadeiro lar. Seu endereço formal com número de CEP e tudo mais seriam para o caso de alguma outra alma tão perdida quanto à dela precisasse encontrá-la, eventualmente. O mundo era a sua casa, era o local destinado as suas reuniões recreativas e encontros casuais com outros astros e corpos celestes. Estivera poraí até então. Poraí é o seu local preferido dentro do mundo por que não a limita ou delimita e jamais a cobra satisfações quando ela parte. Em qualquer ambiente há um poraí e ela sempre se sentia melhor quando explorava a intimidade da ausência, a invisibilidade.
Depois de dois dias a viver aquilo que não se esconde, mas está por excelência encoberto, ela resolveu partir para seu endereço formal. Vá lá...todos precisam de um e ela não é tão especial assim. Ao chegar, notou que seus pertences, seus objetos pessoais, seus móveis estavam cobertos de uma poeira fina e úmida. Passou o dedo indicador direito pela substância e o levou até a boca. Pôde sentir um gosto nunca antes experimentado e tentou esterilmente buscar em sua memória algo semelhante, parecido. Não havia nada inventado com aquele caráter. Nesse instante ela foi tomada por uma indisposição de espírito incomensurável. Sentiu-se in-su-por-tá-vel. Que gosto era aquele? Que maldito pó era aquele que envenenava seu humor? De onde viera? Quis trocar de mente e de corpo e voltar à poraí. Não havia essa possibilidade, pois uma vez visto o efetivo deve-se encará-lo. Resolveu lavar aquela sujeira toda. “Sujeira ?”, refletia. Era apenas pó...pequenas partículas de algo sem brilho. Era insuportável sentir-se ela mesma e mais insuportável ver suas coisas cobertas por resquícios de algo, na verdade, ela não queria admitir. Pegou um balde com água, sabão e uma esponja. Pôs-se a limpar tudo...