domingo, 8 de agosto de 2010

Ópios, Edens e Analgésicos

“O beijo meu vem com melado, decorado, cor de rosa”.

*Querido Leminski.
Essa vai para você, meu poeta.



Uma mulher sem beijo
É muito, muito, muito mais deselegante.
Caminha reto
Como se chegando na hora
Chegasse mais atrasada que agora

Não carrega peso algum
Tudo é ausência
O vazio não pesa
Apenas desorienta

Ópios, edens e analgésicos
Cubram a falta daquele beijo
Beijar ainda vai ser meu último grande feito.

Paraty II



É Paraty, é para mim.

Eu tenho a madrugada como companheira




Irreconhecível
Me procuro lenta
Nos teus escuros
Como te chamas, breu?
Tempo.

(Hilst, Hilda. Da morte, odes mínimas.)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eclipse

All we nedd is love de flauta, remo ou moinho, de passo a passo, passo....Miniconto dedicado a Lennon, MacCartney e Luiz Melodia cujas canções embalaram e embalarão, impulsionaram e impulsionarão muitos amantes em muitas noites afetuosamente caprichadas, deliciosas.


Qualquer um que olhasse mais atentamente por trás das olheiras azuladas perceberia que não nasceram das noites de clarões causados por pequenos (ou grandes) problemas que temos todos, sempre. Nem de noites de bebedeira, mal dormidas. Não! Nada de ressaca moral e corpo exalando nicotina e desgaste. Dormia pouco, talvez, pela falta daquela moleza poética depois do amor bem feito, em seus últimos dias. Dormia pouco, talvez, por falta do bom e velho “durma bem” em ato.
Eis que por acaso e durante semanas, dissera graciosamente “não, obrigada” a um certo tal que lhe oferecera desejo e até, quem sabe (?!), um pouco de paz a sua aflição - não a sentimental, sobre essa não possuía mais ilusões ou angústias, além de de-tes-tar esse tipo de oferta. Tudo sutilmente exposto de forma bacaninha, bonitinha e tal – um verdadeiro lorde.
Por acaso dissera não – nenhuma frase mais rebuscada.
Viver em si mesma, para seu melhor proveito tinha dessas coisas: driblar a solidão com artifícios conhecidos (poesia-poesia-poesia) e degustá-las, às vezes; mas não se submeter ao que não fosse exatamente do jeito que gostaria que fosse. A maturidade serve para isso, não é mesmo? Mas, nesse deserto oblíquo de almas totalmente efêmeras (parece que o homem escorre pela latrina junto com o gozo, sobra a carcaça sem sentidos), o oásis de vitalidade não pinta com freqüência na rotina, embora haja um ou outro a quem procurar para saciar a carne. O peculiar em sua composição era o fio condutor que pré-existia entre corpo e alma, num típico jogo barroco de espelhos. Não se permitia tentar por quem não sacolejasse sua libido ou seduzisse seu espírito. Esse era o caso desse e sem mais delongas: não nutria nenhum querer por ele. Até quis querer ter. Não conseguiu. Pronto: acaso descartado depois de certa insistência.
Outro acaso surgiu num sábado que a princípio não prometia nada, chegou despretensioso e como quem não-sabe-porque-vive ele arriscou. Seus sentidos mais uma vez não (cor)responderam. Havia ainda as marcas tristes de uma cretina quarta-feira boçalmente desenhada com cinzas toscas, rudes. A fumaça longa de um carnaval em suas lembranças, em suas narinas, e quando isso acontece é necessário expurgar os fantasmas para tirar o mofo e voltar ao asfalto (uma dama jamais comenta sobre seu processo interno de exorcismo, sobre como se livra da saliva impregnada em seu pescoço, sobre como lava a mente do gosto do murmúrio de outrora).
O acaso de sábado pareceu ser diferentemente igual a tantos outros acasos que não se precisa olhar com cuidado para notar em sua genética a mesma matéria prejudicial à saúde dos encontros.
Entretanto e novamente por acaso, ao acaso de sábado dissera “sim, tudo bem”, pelo motivo contrário àquele que dissera “não, obrigada” - como quando se está distraída e não se ouve com exatidão a pergunta, e damos outra chance de tentar escutá-la para responder qualquer coisa que tenha o mínimo de coerência, não importa. Foi assim que dissera “sim, tudo bem”.
Preparou-se para o encontro ao som de “A mim e mais ninguém”. A voz da cantora anunciando antecipadamente o começo e o fim, sem recheio, e absorvendo cada verso da música como quem se entrega ao porvir viçoso, sentia bem lá no fundo de si que não há perigo quando umas pequenas centelhas poéticas simulam o conhecimento sobre natureza humana.
Encontraram-se, dois beijinhos, oi, tudo bem? Uhum.
- Olha, sei que parece estranho o que vou lhe dizer, mas deixa eu te explicar antes que você se assuste. Há muita coisa pra ser dita quando duas pessoas estão tentando se conhecer. Preciso dar uma chance a mim mesma, mas entendo que não podemos ficar apenas no que pode ou não ser dito quando duas pessoas estão tentando se conhecer. Poderíamos jogar com as possibilidades, você é homem, sou mulher, essas coisas todas que já sabemos. Só que o que eu quero dizer, não é nada disso. É o seguinte: é chato ter que cumprir certos protocolos, entende? Então o que eu quero dizer é que...parece que estou te enrolando, mas não é essa minha intenção, sabe. É que se eu falar assim direto, sem tentar explicar antes, fica muito mecânico e perco a naturalidade. Bom, é que eu preciso descobrir mais, mas não tudo, porque se eu desvendar tudo perco o encanto, perde-se o mistério e isso é o que me instiga. Mas eu preciso que você se permita e me permita, assim acho que poderá emergir desejo do próprio desejo. Fui clara? É que eu detesto parecer vulgar quando não estou vestida mentalmente para ser vulgar. Quem sou eu pra te mostrar a exatidão de uma troca, só quero que entenda que preciso me entorpecer de linguagem-carne-imaginação para conseguir fazer o melhor a cada centímetro quadrado das nossas levianas existências. Olha, se puder provar a mim como o olhar de quem despe o céu de outra galáxia eu posso uivar dentro de cada cartilagem sua como se o mundo fosse pela primeira vez: nós. Não nos resta outra saída, você me entende?
Só pensou, não disse nada.
Então, aquilo que não foi coisa alguma se manifestou. Como explicar a si mesma como nasce o fracasso de um encontro? Depois de dias tirou o fone do gancho e ligou- quis ser franca e, a vera, dizer logo tudo que estava pensando assim que ouviu a voz do outro lado da linha.
- Olha, já vou começar pedindo desculpas pela minha franqueza. Estou sem saco para eufemismos, meias palavras, metáforas e para piorar estou de mau humor. Não te conheço e não sei o que você vai pensar sobre o que eu quero e vou dizer. Sinceramente, não ligo a mínima para o que você vai pensar, só peço desculpa de antemão por educação mesmo – não sou fofa, oquei? Sou agradável com quem me faz bem, carinhosa com quem conquista minha simpatia e amável com quem me adoça a vida, ponto. Sua incompetência foi tamanha que nem a minha indiferença você ganhou. Poderia não ter esse trabalho todo e simplesmente deixar-pra-lá, já que você é desimportante para o tempo, a energia e a saliva que estou gastando agora. Porém, não consigo deixar as coisas mal resolvidas, preciso fechar a porta que deixei aberta. E isso é muito curioso porque eu acho que é falta de inteligência, mas não falar o que quero faz mal e pode me dar câncer um dia desses. Acontece o seguinte: queria muito, muito, muito, muito mesmo, te dizer que aquela noite foi uma merda! O que foi bom de verdade foi a possibilidade, gostei foi do que poderia ter sido. Fato. E pensei que realmente seria bem prazeroso, para mim, pelo menos. Não, não sou egoísta, mas você foi: egoísta, babaca e burro! Não percebeu que a mesma intenção nos uniu durante as horas? Carnalmente falando poderia ter sido lindo, carinhoso, sem dúvida... não o primeiro, mas o segundo encontro que não acontecerá. To fora! Porque tenho que ser burra para ser entendida? É isso! Desculpa aê qualquer coisa. Lamento a falta de sintonia. Até o próximo eclipse! Beeeeijo.
Só pensou, não disse nada.
Continua dormindo pouco, talvez, pela falta daquela moleza poética depois do amor bem feito, em seus últimos dias. As olheiras azuladas permanecem. Dorme pouco, talvez, por falta do bom e velho “durma bem”.

domingo, 6 de junho de 2010

José

*Ao filho que não pari.

"Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover"

Brasil com P

Pesquisa publicada prova:
Preferencialmente preto, pobre, prostituta
Pra polícia prender
Pare, pense, por quê?
Prossigo
Pelas periferias praticam perversidades, parceiros
Pm's
Pelos palanques políticos prometem, prometem
Pura palhaçada!
Proveito próprio
Praias, programas, piscinas, palmas
Pra periferia?
Pânico, pólvora, pá, pá, pá
Primeira página:
Preço pago
Pescoço, peitos, pulmões, perfurados
Parece pouco?
Pedro Paulo
Profissão: pedreiro
Passatempo predileto? pandeiro
Preso portando pó, passou pelos piores pesadelos
Presídio, porões, problemas pessoais, psicológicos
Perdeu parceiros, passado, presente
Pais, parentes, principais pertences
Pc
Político privilegiado preso
Parecia piada !
Pagou propina pro plantão policial
Passou pelo portão principal

Posso parecer psicopata
Pivô pra perseguição
Prevejo populares portando pistolas
Pronunciando palavrões
Promotores públicos pedindo prisões
Pecado!
Pena: prisão perpétua
Palavras pronunciadas pelo profeta!

Periferia
Pelo presente pronunciamento pedimos punição para peixes pequenos, poderosos
Pesos pesados
Pedimos principalmente paixão pela pátria prostituída pelos portugueses
Prevenimos!
Posição parcial poderá provocar
Protesto, paralisações, piquetes,
Pressão popular
Preocupados?
Promovemos passeatas pacificas
Palestra, panfletamos
Passamos perseguições
Perigos por praças, palcos
Protestávamos por que privatizaram portos, pedágios
Proibido!
Policiais petulantes pressionavam
Pancadas, pauladas, pontapés
Pangarés pisoteando postulavam prêmios
Pura pilantragem !
Padres, pastores, promoveram procissões pedindo piedade, paciência pra população
Parábolas, profecias, prometiam pétalas, paraíso
Predominou o predador
Paramos, pensamos profundamente
Por que pobre pesa plástico, papel, papelão, pelo pingado, pela passagem, pelo pão?
Por que proliferam pragas pelo pais?
Por que presidente, por que?
Predominou o predador
Por que?

GOG
(Genival Oliveira Gonçalves - Rapper de Brasília)

sábado, 5 de junho de 2010

Em cartaz: Copa do Mundo

A primeira vez que foi ao cinema ainda não sabia ler. A mãe narrava o filme de maneira ímpar, resumindo as falas, enquanto ela comia pipoca e imaginava o que havia atrás daquela tela mágica. O tal cinema, que hoje é uma Igreja Evangélica, ficava ao lado da loja onde sua mãe trabalhou durante anos. A loja era de Seu Tuficc, um turco muito generoso que deu praticamente todo enxoval quando sua irmã mais velha nasceu. Porém, quando ela nasceu, ele estava com muitas dívidas e não lhe deu porra nenhuma.
Tudo bem, Seu Tuficc. Filho do meio tem dessas coisas, eles sacam ainda na gestação. Quando o médico disse: “Parabéns, é uma menina”, a mãe chorou de frustração, pois queria um menino que chamaria de João Paulo.
Quando sua irmã mais nova nasceu Seu Tuficc já havia recuperado o fôlego financeiro, e deu, novamente, quase todo o enxoval da mais nova.
Tudo bem. Sem ressentimento. O universo sempre conspira contra os filhos do meio. Descanse em paz, seu Tuficc, descanse em paz!
Em tempo próprio, depois de muitas sessões da tarde comendo suspiro na frente da TV, vieram os pouquíssimos encontros na porta do cinema.O problema não era a raridade dos encontros, mas a ausência de beijos roubados durante o filme devido ao seu gosto peculiar. A proposta: “Que filme você quer assistir?” A resposta: “Qual filme de terror está em cartaz?” E a mesma cara de espanto deles...Tolos meninos! Ela era tímida. Como lhes segurar a mão sem que suas pernas tremessem e seus batimentos cardíacos aumentassem? Só mesmo com o pretexto do filme assustador, ora.
Certa vez, numa festinha, enquanto todos dançavam e ninguém notava sua ausência ou mesmo presença, ela saiu da casa para olhar a lua - “Nossa Senhora do Silêncio”, diria Álvaro de Campos. O menino mais bonitinho da escola se aproximou e perguntou o que ela estava fazendo. Respondeu que estava olhando a lua e que quando a mesma estava cheia ficava muito mais bonita que uma tela de cinema. Ele riu, voltou para a festa e falou para os outros garotos que ela era esquisita. Nesse mesmo dia, ela descobriu que 99,9% dos meninos bonitinhos eram idiotas. Bobagem, claro! Eram apenas 99,8%.
Sua infância e pré-adolescência foram muito solitárias. Contudo, ela não teria sido tão feliz se não tivesse sido exatamente como foi. Várias viagens com as irmãs nas férias, foram trocadas pelas estantes repletas de romances piegas na casa da tia. Com direito a caçar sapos no canal da rua de barro mal iluminada e a elogios da tia em relação ao seu interesse pelos 'livros velhos e empoeirados que só serviam para ocupar espaço' – era o que todos diziam a ela. Como foi feliz! Conseguia desfrutar do cinema que criava a partir do que lia, a seqüência de imagens, as histórias de amor eram recriadas e ela era a diretora de arte, fotografia, edição, trilha sonora e também a protagonista dos seus filmes. Acostumou-se a brincar sozinha.
Bom, a esquisita da família, da escola, conheceu o futebol, de fato, no dia em que foi pela primeira vez ao Maracanã, levada por um primo – ai dele se o pai soubesse. Estádio lotado, bumbo somado ao canto apaixonado da torcida do Flamengo, exaltação diante das bandeiras, o ritual antropológico de uma partida de futebol é uma experiência sensorial única na vida de uma menina, e foi ‘a sua’ catarse coletiva.
Enquanto as garotas da mesma idade colecionavam papéis-de-carta coloridos, ela acordava cedo todos os domingos e religiosamente comprava o Jornal dos Esportes – edições especiais do centenário do Flamengo.
Sua promissora carreira de cineasta de si mesma foi para escanteio e os romances piegas já eram coisas de “menininhas-cor-de-rosa”.
Mesmo com o gol de barriga de Renato Gaúcho e a vitória do Fluminense na final do Campeonato Carioca em 1995, não teve jeito, ficou apaixonada. Queria ir a todos os jogos, juntou dinheiro para comprar a camisa do time, implorava ao primo que a levasse sempre, sempre, sempre, mas a mentira poderia ser descoberta. Foi assim que aprendeu várias jogadas úteis: como mentir com inteligência e armar dribles contra as privações do botafoguense pai.
Pouco tempo depois descobriu que a paixão não era pelo Flamengo, nem pelo futebol, mas pela experiência vivida naquele dia. Os jogos pela TV não davam conta de reproduzir a sensação, eram chatos e mesmo com outras idas ao Maraca, ela queria mesmo “aquela” sensação. Logo a paixão foi perdendo a intensidade.
Ainda torce pelo Mengão, ainda tem a coleção do centenário, mas há muitos anos não vai aos jogos, não acompanha os campeonatos e muito menos sabe a escalação do time. Ela é como aqueles católicos que não vão à missa.
Olhando pelo retrovisor, percebe que a paixão de menina, como todas, passou. Ficou o amor pela linguagem cinematográfica e pela literatura.
Às vésperas da Copa do mundo o assunto está em cartaz, então bola pra frente: sem essa de que ano de copa junto com eleição é a maior burrice comungada pela maioria e que somente a minoria iluminada se dá conta disso. Até parece que se interessariam mais por política se fosse diferente.
Deixem-os gritar!
Sem essa de falar dos milhões da Copa em um país miserável como a África do Sul, dos milhões que o futebol maneja nos vários países miseráveis do mundo. O que esses que criticam, com um discurso bacaninha, fazem pela miséria e fome na África? No Brasil? No mundo? Bebem uísque doze anos ou coca-cola estupidamente gelada?
Ah! Façam-lhes o favor!
Sem essa de criticar a ignorância do brasileiro que se macaqueia de verde e amarelo para ver a seleção jogar esquecendo as mazelas do país e as merdas que o Senado vem fazendo. Sem essa de que brasileiro “tem mais é que se ferrar” porque o país inteiro pára por causa da Copa.
Vivemos num sistema capitalista e o futebol é o problema do sistema? Então, sem esse papo de intelectualóide hipócrita.
Deixem-os gritar!
Ela está com um “vai tomá no cu” entalado na garganta faz tempo, poxa!
Ela quer e precisa gritar por si, não pelo futebol, por acaso pelo Brasil, mas sem esse papo de patriotismo tupiniquim. A Copa será sua válvula de escape, a oportunidade para sua descompressão, a certeza de que ainda lhe resta alguma sanidade.
Não espera ver o futebol-arte que nos identifica em qualquer lugar do mundo, ela espera ver o feijão-com-arroz bem feito que trará a taça.
Ela quer bradar com raiva e xingar meRmo (no bom carioquês, claro)
Quer tomar um porre verde e amarelo e azul e branco e gritar abraçada aos amigos: “Brasil, porraaaaaa!”
Poderia ser Itália, Chile, Romênia, Argentina...Não, Argentina não, mas poderia ser qualquer outro país. Por acaso é o Brasil, nasceu aqui. Gosta disso.
Quer mandar o resto do mundo se fuder. Simples assim.
Precisa expurgar suas ansiedades, suas angústias, seu medos!
Deixem-na gritar!
Ela precisa, eu não.


"Eu queria tanto
Estar no escuro do meu quarto
À meia-noite, à meia luz
Sonhando!
Daria tudo, por meu mundo
E nada mais"

domingo, 30 de maio de 2010

Mulher com Ânfora

O mais belo chafariz art-decor da cidade.




A escultura em bronze de Humberto Cozzo depois de embelezar a frente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (1934) e o Largo da Carioca (1950) ficou anos dormindo no antigo Viveiro de Plantas do Caju, no Departamento de Parques e Jardins.
O novo lar chegou em 4 de Abril de 1988: O jardim em frente a Igreja da Candelária.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

A arte de quebrar copos vazios

*Ocupo todos os vazios de falar costurando enigmas mudos.

Meus quereres é, não são, tudo isso – tão pequenos e transparentes: limitado fantasma sem vigília, solto, só eu vago.
Meus quereres é quebra.
O velho preencher espaços vazios assombra e lança ao mundo.
Não quero. Lá (me) assusto, aqui para-ísos.
Meus quereres tem direção, o caminho não é, não sou, eu.
Ah! Cabem todos na mão que levanto até a altura da boca e beijo antes de soprá-los – meus doces e fugazes espaços vazios, sonhos de poemas futuros, meus quereres é pequeno fantasma sem vigília.
Do sopro formam-se tufões na não-espera e sonho mais poemas que destroem, devastam o verso sob minha língua.
Meus quereres é copo vazio, é vento.
Leia. Lamba. Rasgue.
Página por página atrás das paredes, paixão não se ensina.
Tenho duas almas e sei uma.
A outra entendo a ponta dos dedos em papéis escritos de mim quando chove e seu nome pulsa.
Meus quereres é seu nome sob a minha língua, não sei dizer.
Mas quebro.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

...

Meu fado é de não entender quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.

(Manoel de Barros)


O curioso

A curiosidade é um retorno à infância.

Tu veio naquela última exposição que teve aqui? Qual? Aquela de arte abstatra. De quem? Esqueci o nome do cara, mas eu tava outro dia, conversando com ele, porque eu sou muito curioso e gosto de entender das coisa, não é porque não tenho estudo que não vou querer saber, certo? Só curioso? Você é chato. É...tá, sou chato mesmo, então, eu tava conversando com ele e ele me disse que, ta vendo aquela parede ali? Qual, a amarela? É, ele tava me falando que o cara queria uma tela quase do tamanho daquela parede ali, não, um pouquinho só menor do que aquela parede ali, e que o curador disse que não dava pra fazer porque não tinha como carregar uma tela desse tamanho. Hummm...talvez pela logística complicada, mas não entendi, quem queria a tela enorme era esse tal artista que você não lembra o nome ou ele falava de outra pessoa? Presta atenção no que to te contando, presta atenção! vai acabar não entendendo a história, olha, o cara mandou fazer três telas para colocar uma do lado da outra pra parecer como se fosse uma tela só e ficar um pouquinho menor do que aquela parede amarela ali, só pra ele fazer um desenho, sem pintura, sobre a tese do Macumaímba, do nascimento dele, daquele cara, não sei se você conhece, Oswald de Andrade. Mário de Andrade, Macunaíma é personagem de uma obra de Mário de Andrade. É, isso mesmo, Oswald de Andrade era pai dele, desse da tese do nascimento do Macumaímba, tese do nascimento da miscigenação do Brasil, eles eram antropógolos, sabia? Bom, Mário era escritor e pesquisador de cultura popular brasileira, contemporâneo de Oswald que publicou o Manifesto Antropofágico e...Você vai ficar me interrompendo? depois eu é que sou o chato, tu fala pra caramba também hein, sei que tu tem que estudar pra explicar pras pessoa as coisa toda, mas deixa eu chegar onde quero chegar pra você poder entender, foi o próprio cara que me falou. Tudo bem. Desculpe. Então, o cara desenhou o Macumaímba assim, só desenho, sem tinta, e ficou lá, com o desenho do nascimento da miscigenação brasileira, até aí tudo bem, mas olha só como são as coisa no mundo da arte: o cara chamou o repórter da folha de são paulo que escreve no jornal falando bem do cara e tal, elogiando o desenho, e tu sabe quanto é que ta valendo esse desenho sem tinta depois que o cara escreveu isso? 1 milhão de dólar, agora olha esses trabalho aqui, 2 mil, 4 mil, ta muito barato, não tem valor, sabe porque? quem é que vai querer comprar isso? não tem tese nenhuma, desenho pintado de santo, de fazenda de cacau, desenho feio assim ninguém compra. Mas isso é arte Naif, o universo é esse mesmo, a poética é regional, popular...Tá, mas qual é a tese? Hã? Qual é a tese? o desenho sem tinta do Macumaímba é tese, pow...1 milhão de dólar!!! Arte não é tese! Ihh...já vi que tu não sabe de nada mesmo.

Convidando

Quem puder ir...será um prazer.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Seu blog

Kátia,

Sabe quado você tem um setimento que não consegue expressar, mas que está ali, gritando, sofrendo, chorando e você, sem saber o que fazer, entra em estado vegetativo em que vê, mas não enxerga, fala, mas não diz e escuta, mas não ouve?
Então, estava assim há alguns minutos atrás quando, de repete, me deparei com o seu blog e fui tomada pelo poder do verbo, do seu verbo.

Por instantes fui sugada para dentro de um túnel de significados que falavam para mim, diretamente para mim...

Agora, recuperada e inspirada, estou feliz e queria dizer que as suas palavras me fizeram enxergar e ouvir.

Adorei seu blog e adorei seus textos. Acho que agora olharei para os meus sufocados espasmos cotidianos pensando: "E se o amor vacilar?" / "Pois é, aconteceu".

Beijos carinhosos

Vivi - http://vividemoraes.blogspot.com/2010/04/espasmos-cotidianos.html
(vividemoraes@yahoo.com.br)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Idiossincrasia Anunciada

Agora sim! Ninguém pode mais reclamar de falta de água e esgoto na cidade – promessa cumprida.
Perdeu o carro na enchente, amigo? Ah...estragou o sapato no dilúvio? Teve que andar no esgoto, madame? Cinco horas dentro do ônibus?
Foda-se! Pessoas morreram. Famílias não têm mais onde morar.
Todos tiveram a mesma característica comportamental diante da tragédia anunciada na última semana no Rio de Janeiro: a corriqueira incompetência, a famigerada solidariedade e a histórica ignorância.
A imprensa nos bombardeando com as costumeiras imagens fortes.
Muito, muito triste.
A população comovida com o ocorrido – sim, é lamentável, sentimos muito todas as vítimas e seremos solidários, é claro, roupas, fraldas, colchões, alimentos não perecíveis... Precisamos aliviar a culpa de nosso torpor.
Estado de emergência. Luto de três dias.
O nosso governador, que mês passado fez festa na cidade para chorar os royalties de petróleo, de certa forma, culpou os moradores. Segundo ele, construir uma casa em área de risco seria uma postura suicida, algo inaceitável.
A culpa é de quem morreu? Mesmo?
Já o seu, o meu, o nosso Lula, filho do Brasil, disse que as autoridades competentes devem tomar uma atitude diante da situação.
Quem seria a autoridade competente em relação à habitação nessa cidade, nesse estado, nesse país, cara-pálida?
Mas o prefeito, homem muito lúcido, lamentou os mortos e pediu que os cidadãos evitassem circular, ficar-de-bobeira (flanar) nas ruas.
Detalhe: dentro de casa estava o perigo.
Pessoalmente não gosto do prefeito, contudo ele estava retirando construções irregulares em áreas de proteção ambiental. Mas há fiscalização? Deixar o camarada construir para depois demolir? É foda!
Não há política de habitação pública eficiente em nenhuma das camadas governamentais, nem municipal, nem estadual, nem federal.
Habitações irregulares continuam acontecendo. Repito: há fiscalização? Realocar as pessoas com dignidade onde? Mandá-las para o cafundó do Judas? Edificar outra Cidade de Deus?
Afinal de contas, de quem é a culpa? São Pedro?
Sabemos que o problema se arrasta desde muito tempo. A natureza é um organismo vivo, foi obrigada a comer muito lixo, beber muita besteira, ficou chapadona e não agüentou. Resultado? Vômito!
Não entendo de geologia ou geografia, mas pelo que sei todo morro é passível de deslizamento desde que a terra é terra! A área se torna realmente de “risco” quando as pessoas desflorestam tais terrenos para habitar.
Assisti na TV ontem um senhor que acabava de abandonar sua casa no Morro dos Prazeres:
“A gente sempre acha que não vai acontecer com a gente”
Pois é. Aconteceu.

terça-feira, 6 de abril de 2010

III - De Ariana para Dionísio



.

A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavras
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa te lamenta,
E manda que eu te pergunte assim de frente:
A uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?

.

(Ode descontínua e remota para flauta e oboé - Hilda Hilst)

Poema-Atitude: Vida

Insônia

..............................."A noção do fim é moral" – Immanuel Kant.

Ouviu um sussurro iluminando dragões, príncipes, sapos, delírios de algumas lindas noites inabitadas (ou inabilitadas?), recordações despovoadas de sangue, monstros meticulosamente criados para seu conforto interno, príncipes meticulosamente arquitetados também para seu conforto interno; só lhe resta isso: a existência da realidade do sonho se esvaece. Nem os sapos mais existem. Seria o fim?
(Acendeu a luz)

Já sabia que não se cresce como mulher sem ter ao menos um homem canalha na vida, essa é a primeira lição aprendida assim que somos alfabetizadas do próprio corpo, desde o primeiro bê-a-bá da complexidade hormonal e mental que desfrutamos.
Real (mesmo) é a vida se manifestando e partindo dessa premissa ela já havia transcendido faz tempo: portando-se como um trator para deslocar de seu caminho machismos velados ultrapassou a si mesma com tamanha eloquencia que já estava morta. Nascem outras de sua morte, de tempos em tempos, a cada ciclo menstrual. Ela é apenas o resquício de si mesma.
(Voltou ao livro)

Há equívocos graves em vãos que deixou abertos nas paredes (o sussurro continua... vento-filho-da-puta!), assim permitiu que deixassem fissuras no seu verbo desejar, escangalharam seu verbo. Será que tem conserto?
(Fechou a janela do quarto)

Talvez precisasse se fechar mais em si mesma, reforçar o cimento das paredes, reformar anos e anos de estrutura... Ainda tem tempo. É. Houve um tempo que fora talhado, moldado em argumentos (re)criados com a única intensão da intensidade. Sem medo, sem rascunhos, ela desejava o que vivia de verdade, a feição descrita com belos adjetivos nos diários, o dilacerante, o vivo, o latente, porra! O “espantar-se” com a vida não voltou.
Hoje deseja apenas que a lembrança de quem foi um dia pare de incomodá-la, que a esperança de ver seu verbo consertado não a abandone. Seria o fim?

"Essa morte constante das coisas é o que mais dói" – tolice!
(Fechou o livro)

Todos em estado de letargia, pensou, todo mundo experimentando o trivial, o compreensível, quanta existência medíocre!
(Caminhou até a cozinha, abriu a geladeira e bebeu o resto de chá gelado)

Ser é pensar, e pensar e sentir são inseparáveis. Um dia conseguiria vencer a doença do pensamento, se curar da memória involuntária, embora sempre se sentisse certa das suas incertezas; acreditava, infantilmente, que um dia suas mãos se tornariam raízes.
(Apagou a luz)

Porquanto experimentando, dialogando com o implícito, flertando com a subjetividade, rejeitando o óbvio... É que uma bolha quente involuntariamente travou sua garganta, não que tivesse algo a dizer, mas tamanha é sua dignidade que o glóbulo de ar subiu até a cabeça e explodiu!
Um caldo borbulhando um monte de sensações indesejáveis escorre pela face, e abre o corpo ao meio: está nua, em carne viva.
(Cobriu-se)

Sem se preocupar, prossegue, tentando dormir – confusa, aprecia tudo que não faz sentido!
Lembrou-se de uma mensagem enviada por uma amiga na semana anterior:

..............“Nunca fique puta, nem triste,.........................
...............Se ficar, é capaz de até chover!......................
...............Um beijo.”............................................

E chove pra cacete desde ontem.
(zzzzzzzzzzz)

Talvez possa voltar a sonhar, um dia!

"Essa morte constante das coisas é o que mais dói"
...e a existência da realidade do sonho se esvaece!
Seria o fim?

Uma leitura

(Texto dedicado a um amigo)
Fevereiro de 2010.


Uma leitura possível sobre um personagem vivo.

*Teorizar nada mais é que um conhecimento especulativo, uma noção geral.
*A presente teoria não possui pretensões acadêmicas e restringiu-se apenas a superficialidade.
*O prefácio sobre personagem vivo foi desconsiderado por ter sido escrito pelo interlocutor.
* Partiu-se do princípio de que tudo significa, só depende do olhar.


Logo que nos abrimos para a leitura percebemos uma visão de mundo desapegada. Embora a natureza do personagem seja sensível e complexa, o desapego propicia um ponto de vista levemente distorcido sobre a realidade das relações.
Nas breves linhas em seqüência nota-se certas organizações de um universo interno que não aprecia invasões a sua privacidade física e emocional sem convite prévios.
Vale ressaltar que de acordo como o personagem negocia com o mundo é necessário articular docemente a possibilidade para uma permissão a escalada, já que em meio a tanta abertura aparentemente natural, o interlocutor é levado a crer na existência de um pote de ouro no cume da montanha (pura ilusão).
No decorrer de suas narrativas fica mais visível notar que a auto-permissão para determinadas dificuldades o perturbem internamente até decidir por qual direção deverá encaminhá-las. Contudo não possui pleno conhecimento sobre a sutileza do lado imaginativo de si mesmo, nem sobre o senso de humor deliciosamente irônico que não aparece facilmente – é necessária a ausência de ingenuidade e atenção na leitura.
Suas principais qualidades são: inteligência, esperteza e conhecimento cínico.
Seus principais defeitos são: tendência ao óbvio, falta de interesse na exploração do corpo feminino e ausência de gentileza em seu discurso.
Há um refinamento na alma e um charme misterioso em sua solidão interna que não permite entrada em seu campo psíquico.
Também não tem ilusões sobre a natureza humana, pois sabe que lá dentro de todos nós, mesmo que muito escondido há um lado obscuro. Entretanto, percebe que independente de quão confuso o mundo seja todos os seres humanos têm algo a fazer sobre isso. A partir daí entra a importância do trabalho - tem consciência que também é corajoso desistir.
Talvez busque encontrar a verdade sobre si mesmo através do social, ou a verdade da própria vida. O personagem é pensativo, e às vezes temos a sensação de que até demais. Necessita comunicar-se, mas observa demais o mundo para levar encontros “a luz da lua” a sério. Não confia em nada que seja imediato, incontrolável ou inexplicável – basta olhar de perto e as respostas saltarão. É descrente da beleza de tudo que não for aparentemente belo, ou seja, possui desejos superficiais.
A partir de seus gostos e vida profissional percebe-se que é um personagem tipicamente realista, ou seja, tende a percepção exclusiva do útil, do seguro, do conhecido.
Sendo assim, conclui-se que não se deu conta, ainda, que o conhecido não exclui necessariamente o vigor e a latência das coisas vivas; e que ainda será necessário comer muito arroz-com-feijão para ler com maestria a figura feminina. A partir daí, então, perceber a diferença entre Mulheres e meninas. Mulheres projetam nos Homens a figura de um companheiro e meninas projetam nos homens a figura de um pai.
Simples assim.