terça-feira, 6 de abril de 2010

Insônia

..............................."A noção do fim é moral" – Immanuel Kant.

Ouviu um sussurro iluminando dragões, príncipes, sapos, delírios de algumas lindas noites inabitadas (ou inabilitadas?), recordações despovoadas de sangue, monstros meticulosamente criados para seu conforto interno, príncipes meticulosamente arquitetados também para seu conforto interno; só lhe resta isso: a existência da realidade do sonho se esvaece. Nem os sapos mais existem. Seria o fim?
(Acendeu a luz)

Já sabia que não se cresce como mulher sem ter ao menos um homem canalha na vida, essa é a primeira lição aprendida assim que somos alfabetizadas do próprio corpo, desde o primeiro bê-a-bá da complexidade hormonal e mental que desfrutamos.
Real (mesmo) é a vida se manifestando e partindo dessa premissa ela já havia transcendido faz tempo: portando-se como um trator para deslocar de seu caminho machismos velados ultrapassou a si mesma com tamanha eloquencia que já estava morta. Nascem outras de sua morte, de tempos em tempos, a cada ciclo menstrual. Ela é apenas o resquício de si mesma.
(Voltou ao livro)

Há equívocos graves em vãos que deixou abertos nas paredes (o sussurro continua... vento-filho-da-puta!), assim permitiu que deixassem fissuras no seu verbo desejar, escangalharam seu verbo. Será que tem conserto?
(Fechou a janela do quarto)

Talvez precisasse se fechar mais em si mesma, reforçar o cimento das paredes, reformar anos e anos de estrutura... Ainda tem tempo. É. Houve um tempo que fora talhado, moldado em argumentos (re)criados com a única intensão da intensidade. Sem medo, sem rascunhos, ela desejava o que vivia de verdade, a feição descrita com belos adjetivos nos diários, o dilacerante, o vivo, o latente, porra! O “espantar-se” com a vida não voltou.
Hoje deseja apenas que a lembrança de quem foi um dia pare de incomodá-la, que a esperança de ver seu verbo consertado não a abandone. Seria o fim?

"Essa morte constante das coisas é o que mais dói" – tolice!
(Fechou o livro)

Todos em estado de letargia, pensou, todo mundo experimentando o trivial, o compreensível, quanta existência medíocre!
(Caminhou até a cozinha, abriu a geladeira e bebeu o resto de chá gelado)

Ser é pensar, e pensar e sentir são inseparáveis. Um dia conseguiria vencer a doença do pensamento, se curar da memória involuntária, embora sempre se sentisse certa das suas incertezas; acreditava, infantilmente, que um dia suas mãos se tornariam raízes.
(Apagou a luz)

Porquanto experimentando, dialogando com o implícito, flertando com a subjetividade, rejeitando o óbvio... É que uma bolha quente involuntariamente travou sua garganta, não que tivesse algo a dizer, mas tamanha é sua dignidade que o glóbulo de ar subiu até a cabeça e explodiu!
Um caldo borbulhando um monte de sensações indesejáveis escorre pela face, e abre o corpo ao meio: está nua, em carne viva.
(Cobriu-se)

Sem se preocupar, prossegue, tentando dormir – confusa, aprecia tudo que não faz sentido!
Lembrou-se de uma mensagem enviada por uma amiga na semana anterior:

..............“Nunca fique puta, nem triste,.........................
...............Se ficar, é capaz de até chover!......................
...............Um beijo.”............................................

E chove pra cacete desde ontem.
(zzzzzzzzzzz)

Talvez possa voltar a sonhar, um dia!

"Essa morte constante das coisas é o que mais dói"
...e a existência da realidade do sonho se esvaece!
Seria o fim?