domingo, 1 de junho de 2008

Destinatário

Rio de Janeiro, 19 de Dezembro de 2007.

Carta em III partes:

Parte I

Querido,

Ontem havia uma outra carta escrita e pronta para ser selada nos correios, mas devido a vossa formalidade, as frias e prontas frases, eu a rasguei e decidi por rabiscar esta. No que segue não haverá ‘pagação’ de qualquer natureza, muito menos direi que meus pensamentos, assim como meu corpo, umedecem quando você os invade antes do sono e durante o dia sem a devida permissão. Terminei a primeira leitura e iniciei a segunda com a caneta na mão. Encanta-me! Fui à faculdade hoje pela manhã e a tarde à exposição Lusa no CCBB. Percorri a história da arte portuguesa desde a pré-história até as grandes navegações. Cada dia mais me empolga as possibilidades de paralelos da arte com a literatura. Aqui, tudo permanece diferente: o ar cada vez mais pesado, o asfalto afetado pelo mormaço, as chuvas que nunca avisam, o noticiário mostrando a aprovação da transposição do rio São Francisco e as primeiras frases de um novo conto. Hoje, também ganhei um livro do Giotto de um amigo. Fiquei bem feliz e lembrei do girassol que imagino vivo no meu jardim.
Querido, volta logo!
Segunda fui ao centro da cidade fazer algumas compras para o natal e procurar pelo filho da puta do camelô que me vendeu um dvd vazio. O calor era suportável, mas a gritaria dos ambulantes não. Procurei pelo infeliz no mesmo ponto onde o encontrei no momento da compra. Não o encontrei, entretanto como levava o dvd vazio nas mãos, logo fui abordada por um de seus comparsas nessa máfia da pirataria. Expliquei o incidente e pedi gentilmente pela troca do produto. Você acredita que o cretino saiu e voltou alegando que a mídia estava arranhada? Mas como? Perguntei. O rapaz afirmou que como eu era ‘tranqüila’ faria a troca caso eu comprasse o filme Bee (desenho animado de uma abelhinha do mesmo criador de Shrek) Fiquei em silêncio e ele prosseguiu a negociação afirmando que além de ótima gravação, no dvd ainda estaria incluso mais 3 filmes. Sobre o filme infantil, que entrou em cartaz no cinema essa semana, um susto: a gravação é feita dentro de um cinema com um celular! O áudio é uma merda! Como essas pessoas conseguem ser tão desonestas? Querido, volta logo!  Enfim, tenho comido bastante salada e colocado algumas pendências de leitura em dia. Amanhã irei à uma festa no IFCS.
Um trechinho gostoso pra dividir com você segue abaixo.
Um beijo.

A ilusionista.

Documento sobre o homem lúcido:


“O homem lúcido sabe que a vida é uma carga tamanha de acontecimentos e emoções que ele nunca se entusiasma com ela, assim como ele nunca teme a morte. O homem lúcido sabe que o viver e o morrer são o mesmo em matéria de valor, posto que a vida contém tantos sofrimentos que a sua sensação não pode ser considerada um mal. O homem lúcido sabe que ele é o equilibrista na corda bamba da existência, ele sabe que por opção ou por acidente, é possível cair no abismo a qualquer momento – interrompendo a sessão do circo. Pode também o homem lúcido optar pela vida. Aí então, ele esgotará todas as suas possibilidades , ele passeará pelo seu campo aberto, pelas suas vielas floridas, ele saberá ver a beleza em tudo. Ele terá amantes, amigos, ideais, urdirá planos e os realizará. Resistirá aos infortúnios e até mesmo as doenças e, se atingido por algum desses emissários, saberá suporta-los com coragem e mansidão. E morrerá o homem lúcido de causas naturais e em idade avançada, cercado pelos seus filhos, pelos seus netos, que seguirão a sua magnífica aventura. Pairará, então, sobre a memória do homem lúcido uma áurea de bondade. Dirão: ‘ aquele amou muito, aquele fez muito bem as pessoas.’ A justa lei máxima da natureza obriga que a quantidade de acontecimentos maus na vida de um homem se iguale sempre a quantidade de acontecimentos favoráveis. O homem lúcido, porém, esse que optou pela vida, com consentimento dos deuses, ele tem o poder magno de alterar essa lei. Na sua vida, os acontecimentos favoráveis estarão sempre em maioria. Por que essa é uma cortesia que a natureza faz com os homens lúcidos.”

Rio de Janeiro, 21 de Dezembro de 2007.

Carta em III partes:

Parte II – Apenas uma via de interpretação

Querido,

Hoje deveria ter enviado carta de ontem. Desisti. Não quero a correspondência como subterfúgio para ausência, contudo a exploro em muitos aspectos. Creio ser uma forma de fazer uso de mim através de um outro eu: você. O meio, o canal? As palavras - mesmo na presença. Sei que não gosta desse meu lado, embora nunca tenha explicitado de fato. Ainda aprendo a fazer as coisas de outra maneira! Sabe, muitos gostos e desabores foram experimentados ao longo desses anos e como já disse Caetano: cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é. Uma vez quis me despir e mergulhar-me diante de outro, um mergulho honesto e inédito. Como se cria um elo, uma continuação digna com alguém? A frustração morreu afogada em alto mar logo depois da tentativa. Portanto, não espero por nada, não crio planos, não me permito a esse luxo de muitos – sou a real minoria. Muitas vezes me vejo amarrada junto a areia e mesmo já habituada às cordas meus (im)pulsos reclamam. Com desenvoltura consegui o saracoteio da leviandade. Paguei por ela e a tiro do armário sempre que necessário. Na verdade, agora só espero pela sua volta, nada além do seu braço como travesseiro. São 23:01h e observo, verdadeiramente, meu peso. Sinto-me bem, leve, tranqüila e disposta a curtir as quatro paredes desse cômodo. Entretanto, algumas pessoas, às vezes, nos sugam por necessidade, não acha? O carinho e zelo que tenho por você, e que atualmente fazem parte do espaço que ocupo em mim mesma, me impedem de entrar em miúdos. Certa vez um amigo disse que eu assusto os homens. Lembro-me que na ocasião citei a frase de Caetano, pois nada melhor veio à mente e a completei com meu bordão: “ Meu caro, sou uma dama”. Nem sei o motivo de falar tal frase quando oportuno. Meu brilho se apagou quando rompi o ventre de minha mãe e somente reacenderá quando eu morrer. Talvez, eu a repita para fingir que ainda o tenho.
Um amigo está se afundando na bebida por causa da ex-mulher e chorando, feito menino excluído da brincadeira, pediu com os olhos por um afago. Eu o amo muito e ele sofre. Dói. Acho que é por isso que te escrevo essas linhas, fiquei (re)mexida. Esbravejei, dei esporro, sermão de tia-chata e ao final colo. Ele foi embora e levou consigo parte da minha energia, pois tem feito merda atrás de merda. Sei que você não tem nada com isso, mas posso dividir? Decerto que com você só me sinto autorizada ao que é bom e saudável, mas posso dividir? Estou demasiadamente egoísta, né? Eu, eu,eu...! Estou muito primeira pessoa hoje. Poxa, entenderei perfeitamente caso não queira a partilha.
Sei lá... sei lá... sei lá... Essa frase é boa, não acha? Engloba 1 milhão de emoções mesmo sendo evasiva.
Minutos depois uma amiga ligou. Amiga muito querida, mas distante. Compreendi a obrigação de ajudá-la dentro dos meus limites. Queria conselhos sobre um carinha que está paquerando. Expus minha opinião e pronto, ela ficou satisfeita, agradecida e desligou sem perguntar se eu estava bem. Que existência de merda essa minha, penso. Querido, acho que estou carente.
Veja que curioso: está rolando uma festa na casa do meu vizinho. Tem uma bandinha tocando ao vivo e no instante que escrevo o vocalista repetia o refrão de uma música do Tim Maia. Começo a mudar de idéia. Nem é tão de merda assim minha existência...é bem pior. Depois disso, te pergunto: simultaneidade de acontecimentos ?

A próxima carta será mais alto-astral, ta?
Termino com o vocalista ao lado: ‘quem sabe ainda sou uma garotinha esperando o ônibus da escola sozinha?’
Ouviu? (rs)

Um beijo
A deprimida.


Rio de Janeiro, 01 de Janeiro de 2008.

Carta em III partes:

Parte III - Fim


Cara,

Hoje é o fim e conforme prometido segue toda animação como os fogos de ontem. Vale o bordão: ano novo, vida nova. Não volte, por favor! Fique aí, se apaixone perdidamente pela primeira mulher que lance meio sorriso para você. Case-se com ela e exija nada menos do que 3 filhos. Depois você pode morrer! Se preferir pode morrer agora: um, dois, três e já! Ah...vá! Não me peça explicações. Detesto dizer o óbvio (de novo). Sabe o que acontece? Não, não sou louca...você é louco por tentar entender. Esqueça-me! Tome banho de mar, Iemanjá cura problemas de amor, não sabia? Tudo bem, sobre o amor,né?! Nunca te amei, amei o amor até perceber que o encantamento ficou no passado, no ano passado. Esse ano tudo será diferente, logo também quero amar diferente. Não volte! Seu lugar aqui morreu. Na verdade, você estava me matando com a sua mornidão fraca e chata. Cansei de te reinventar forte e bacana. Renasci, meu bem. A piedade nunca fez parte do meu vocabulário, logo pena de você, nunca! Se te usei? Ah...pára! Levei muita festa para sua medíocre vidinha de homem correto! Vá à luta, chuchu. É preciso brigar, mas não comigo, oquei? Amigos? Não. Você é repetitivo, inseguro e gosto do vigor masculino. Além do que você trepa muito mal e eu fingi todas as vezes só para te fazer especial e tem mais: conheci um paulista na virada e comecei como deveria: sexo bom e generoso!
Compre roupas novas e mude de perfume, o cheiro é cansativo assim como seus papos. Deixe o cabelo crescer e faça a barba direitnho. Não tenha medo, pois nem feio direito você consegue ser. Breve, breve outra alma nobre (quem sabe?) pode se interessar pela sua evidente placidez pela vida.

A Franca.