sexta-feira, 9 de julho de 2010

Eclipse

All we nedd is love de flauta, remo ou moinho, de passo a passo, passo....Miniconto dedicado a Lennon, MacCartney e Luiz Melodia cujas canções embalaram e embalarão, impulsionaram e impulsionarão muitos amantes em muitas noites afetuosamente caprichadas, deliciosas.


Qualquer um que olhasse mais atentamente por trás das olheiras azuladas perceberia que não nasceram das noites de clarões causados por pequenos (ou grandes) problemas que temos todos, sempre. Nem de noites de bebedeira, mal dormidas. Não! Nada de ressaca moral e corpo exalando nicotina e desgaste. Dormia pouco, talvez, pela falta daquela moleza poética depois do amor bem feito, em seus últimos dias. Dormia pouco, talvez, por falta do bom e velho “durma bem” em ato.
Eis que por acaso e durante semanas, dissera graciosamente “não, obrigada” a um certo tal que lhe oferecera desejo e até, quem sabe (?!), um pouco de paz a sua aflição - não a sentimental, sobre essa não possuía mais ilusões ou angústias, além de de-tes-tar esse tipo de oferta. Tudo sutilmente exposto de forma bacaninha, bonitinha e tal – um verdadeiro lorde.
Por acaso dissera não – nenhuma frase mais rebuscada.
Viver em si mesma, para seu melhor proveito tinha dessas coisas: driblar a solidão com artifícios conhecidos (poesia-poesia-poesia) e degustá-las, às vezes; mas não se submeter ao que não fosse exatamente do jeito que gostaria que fosse. A maturidade serve para isso, não é mesmo? Mas, nesse deserto oblíquo de almas totalmente efêmeras (parece que o homem escorre pela latrina junto com o gozo, sobra a carcaça sem sentidos), o oásis de vitalidade não pinta com freqüência na rotina, embora haja um ou outro a quem procurar para saciar a carne. O peculiar em sua composição era o fio condutor que pré-existia entre corpo e alma, num típico jogo barroco de espelhos. Não se permitia tentar por quem não sacolejasse sua libido ou seduzisse seu espírito. Esse era o caso desse e sem mais delongas: não nutria nenhum querer por ele. Até quis querer ter. Não conseguiu. Pronto: acaso descartado depois de certa insistência.
Outro acaso surgiu num sábado que a princípio não prometia nada, chegou despretensioso e como quem não-sabe-porque-vive ele arriscou. Seus sentidos mais uma vez não (cor)responderam. Havia ainda as marcas tristes de uma cretina quarta-feira boçalmente desenhada com cinzas toscas, rudes. A fumaça longa de um carnaval em suas lembranças, em suas narinas, e quando isso acontece é necessário expurgar os fantasmas para tirar o mofo e voltar ao asfalto (uma dama jamais comenta sobre seu processo interno de exorcismo, sobre como se livra da saliva impregnada em seu pescoço, sobre como lava a mente do gosto do murmúrio de outrora).
O acaso de sábado pareceu ser diferentemente igual a tantos outros acasos que não se precisa olhar com cuidado para notar em sua genética a mesma matéria prejudicial à saúde dos encontros.
Entretanto e novamente por acaso, ao acaso de sábado dissera “sim, tudo bem”, pelo motivo contrário àquele que dissera “não, obrigada” - como quando se está distraída e não se ouve com exatidão a pergunta, e damos outra chance de tentar escutá-la para responder qualquer coisa que tenha o mínimo de coerência, não importa. Foi assim que dissera “sim, tudo bem”.
Preparou-se para o encontro ao som de “A mim e mais ninguém”. A voz da cantora anunciando antecipadamente o começo e o fim, sem recheio, e absorvendo cada verso da música como quem se entrega ao porvir viçoso, sentia bem lá no fundo de si que não há perigo quando umas pequenas centelhas poéticas simulam o conhecimento sobre natureza humana.
Encontraram-se, dois beijinhos, oi, tudo bem? Uhum.
- Olha, sei que parece estranho o que vou lhe dizer, mas deixa eu te explicar antes que você se assuste. Há muita coisa pra ser dita quando duas pessoas estão tentando se conhecer. Preciso dar uma chance a mim mesma, mas entendo que não podemos ficar apenas no que pode ou não ser dito quando duas pessoas estão tentando se conhecer. Poderíamos jogar com as possibilidades, você é homem, sou mulher, essas coisas todas que já sabemos. Só que o que eu quero dizer, não é nada disso. É o seguinte: é chato ter que cumprir certos protocolos, entende? Então o que eu quero dizer é que...parece que estou te enrolando, mas não é essa minha intenção, sabe. É que se eu falar assim direto, sem tentar explicar antes, fica muito mecânico e perco a naturalidade. Bom, é que eu preciso descobrir mais, mas não tudo, porque se eu desvendar tudo perco o encanto, perde-se o mistério e isso é o que me instiga. Mas eu preciso que você se permita e me permita, assim acho que poderá emergir desejo do próprio desejo. Fui clara? É que eu detesto parecer vulgar quando não estou vestida mentalmente para ser vulgar. Quem sou eu pra te mostrar a exatidão de uma troca, só quero que entenda que preciso me entorpecer de linguagem-carne-imaginação para conseguir fazer o melhor a cada centímetro quadrado das nossas levianas existências. Olha, se puder provar a mim como o olhar de quem despe o céu de outra galáxia eu posso uivar dentro de cada cartilagem sua como se o mundo fosse pela primeira vez: nós. Não nos resta outra saída, você me entende?
Só pensou, não disse nada.
Então, aquilo que não foi coisa alguma se manifestou. Como explicar a si mesma como nasce o fracasso de um encontro? Depois de dias tirou o fone do gancho e ligou- quis ser franca e, a vera, dizer logo tudo que estava pensando assim que ouviu a voz do outro lado da linha.
- Olha, já vou começar pedindo desculpas pela minha franqueza. Estou sem saco para eufemismos, meias palavras, metáforas e para piorar estou de mau humor. Não te conheço e não sei o que você vai pensar sobre o que eu quero e vou dizer. Sinceramente, não ligo a mínima para o que você vai pensar, só peço desculpa de antemão por educação mesmo – não sou fofa, oquei? Sou agradável com quem me faz bem, carinhosa com quem conquista minha simpatia e amável com quem me adoça a vida, ponto. Sua incompetência foi tamanha que nem a minha indiferença você ganhou. Poderia não ter esse trabalho todo e simplesmente deixar-pra-lá, já que você é desimportante para o tempo, a energia e a saliva que estou gastando agora. Porém, não consigo deixar as coisas mal resolvidas, preciso fechar a porta que deixei aberta. E isso é muito curioso porque eu acho que é falta de inteligência, mas não falar o que quero faz mal e pode me dar câncer um dia desses. Acontece o seguinte: queria muito, muito, muito, muito mesmo, te dizer que aquela noite foi uma merda! O que foi bom de verdade foi a possibilidade, gostei foi do que poderia ter sido. Fato. E pensei que realmente seria bem prazeroso, para mim, pelo menos. Não, não sou egoísta, mas você foi: egoísta, babaca e burro! Não percebeu que a mesma intenção nos uniu durante as horas? Carnalmente falando poderia ter sido lindo, carinhoso, sem dúvida... não o primeiro, mas o segundo encontro que não acontecerá. To fora! Porque tenho que ser burra para ser entendida? É isso! Desculpa aê qualquer coisa. Lamento a falta de sintonia. Até o próximo eclipse! Beeeeijo.
Só pensou, não disse nada.
Continua dormindo pouco, talvez, pela falta daquela moleza poética depois do amor bem feito, em seus últimos dias. As olheiras azuladas permanecem. Dorme pouco, talvez, por falta do bom e velho “durma bem”.